sexta-feira, 14 de maio de 2010

Maceió, suas praças e minha nostalgia





Sou do tempo de uma Maceió com orgulho de suas praças. Minhas lembranças da infância me trazem imagens de uma Praça Gonçalves Lêdo, na Ladeira do Brito, cheia de crianças sorridentes nos brinquedos de ferro coloridos. Havia ali uma escolinha do Lions Club que atendia crianças até a fase da alfabetização. Ali recebi meu primeiro diploma. O diploma do ABC.
Éramos felizes naquela praça. Corríamos, brincávamos, conversávamos nos bancos das praças, sempre sob a vigilância de nossos pais ou educadores. Eram tempos de bancos de pedra fria rosada com um sinuoso “S” desenhado. A marca registrada do Prefeito Sandoval Cajú.
Ali, na Praça Gonçalves Lêdo, assisti, mesmo sem entender, a discursos em palanques armados nas épocas de eleição, de políticos que fizeram história em nossa cidade, entre eles, Divaldo Suruagy e Guilherme Palmeira. Eu, obviamente, não entendia o que eles falavam, mas adorava estar ali na praça com meus pais e irmãos. Gostava dos brilhos das luzes acesas na praça e das árvores altas encobrindo as pessoas. Para mim, era como ir a uma festa e como se a Praça estivesse vestida a caráter para isso. Hoje a Praça Gonçalves Lêdo continua no mesmo lugar, porém quase não se nota sua presença esmagada pelo viaduto que liga a Ladeira do Brito a Rua Tomás Espíndola. E, seu charme, perdeu-se com o tempo.
Ainda do tempo de menina trago recordações da Praça da Igreja Senhor do Bonfim, no Poço, não por sua beleza, mas pelas histórias pitorescas do lugar. Morava na ladeira da antiga rodoviária, e lembro-me de mamãe reclamando das idas e vindas de papai até a “famigerada” praça, onde o brilho era o das “mulheres de vida fácil”, como eram conhecidas as prostitutas que ali faziam ponto. Outro atrativo da praça era o Cine Plaza, que para agradar tão seleta freguesia, passava, no horário noturno, filmes pornôs com títulos de duplo sentido e apelo vulgar. Lembro que fui algumas vezes ao Plaza, no horário da tarde, com meus irmãos, para assistir filmes infantis. Mesmo assim, a luz do dia, o lugar tinha um ar de perdição.
A praça era cheia de estabelecimentos que serviam de pousada para os encontros dos rapazes que iam ali à busca de prazer por uma ninharia. Na verdade, gastava-se mais com remédios depois da noite de luxúria do que com os préstimos da parceira sexual. Eram tempos de sexo sem camisinha, onde proliferavam as doenças sexuais de baixo impacto, como a sífilis, a gonorréia, que perto da AIDS de hoje, eram simples sequelas.
Lembro que as moças de família e as senhoras que se diziam respeitáveis passavam pela praça a noite com medo de serem confundidas com as “meninas” que ganhavam a vida ali. Eram segregadas, excluídas da sociedade. Não se pode dizer que era uma vida fácil se compararmos com a vida das meninas de vida fácil de hoje, longe das praças.
Como morava em um lugar de difícil acesso para ônibus, desde muito cedo, costumava ir a pé para a escola, e depois do Lions Club, estudei no Grupo Escolar Fernandes Lima, na antiga Rua do Sol. Até chegar à escola eu passava pela pracinha da Casal na Rua Comendador Palmeira e pela Praça Gonçalves Lêdo. Tive muitas paradas para descansar na sombra das árvores desses refúgios. Se eu fechar os olhos ainda sinto a brisa batendo em meu rosto.
Um pouco mais tarde, na minha adolescência, frequentei outras praças das quais me recordo com nostalgia. Uma delas me faz lembrar a fé de minha mãe. Íamos todos os sábados para a Igreja São Gonçalo, no começo da Rua Aristeu de Andrade, no farol, perto da TV Gazeta. Ali, na Praça do Mirante São Gonçalo, minha mãe fez promessas, rezou, e nos ensinou, a devoção a Deus. Muitas vezes fiquei ali no mirante admirando do alto o mar e a cidade.
Às vezes eu descia a Ladeira da Catedral, onde outra pracinha dava vista para a cidade lá em baixo. Ali, em frente ao Colégio Adventista me deparei pela primeira vez com as drogas. Eram meninos que cheiravam cola. Coisa tola, se pensarmos nos meninos usando a maldita pedra da morte hoje. Mas, naquele tempo, a cena me amedrontava. Mal sabia eu que o caos ainda estava por vir. Que as praças estariam, mais tarde, todas tomadas pelos zumbis do crack patrocinados pelo descaso público.
Naquele tempo, eu frequentava a biblioteca pública na Praça D. Pedro I e minha vida de liberdade se resumia ao percurso, casa-escola, biblioteca-casa. Além de idas semanais a escola de datilografia no bairro distante de Cruz das Almas. Eu reclamava por liberdade. Queria sair mais vezes sozinha. Eu, que nem tinha completado 13 anos e já tinha essa liberdade toda, apesar de mulher.
Quando ingressei no ginásio, fui estudar no Colégio Cônego Machado, no Farol, e outra praça passou a fazer parte de meu percurso diário. Era a pracinha do Barcaninha, na lateral da Embratel. Eu, que ainda não bebia (naquele tempo a coisa começava mais tarde para as meninas), já me sentia atraída pelo ambiente de música, encontros e gente jovem reunida. Mas, naquele tempo, eu apenas passava, admirando o point de encontro dos mais velhos.
Quando terminei o ginásio, fui fazer o antigo curso científico no Colégio Lyceu Alagoano. Nesta época, passei a frequentar a Rua Moreira e Silva, levada por uma amiga do colégio que morava ali. Comecei a participar de um grupo que dançava quadrilha junina e coco na Praça Sergipe. Tenho ótimas recordações desse lugar. Ali, na Praça Sergipe cultivei amigos, amores e desafetos. Eu adorava dançar forró, e depois das apresentações tinha sempre um arrasta-pé no palhoção e eu não parava. Alguns pais de amigas não gostavam muito do meu “estilo arrochadinho” de dançar. Era um tal de rala colcha pra lá e pra cá que irritava os mais puritanos. Eu até tinha um namorado, na época, mas dava mais valor aos parceiros do forró, pois estes, sim, me faziam levitar. É bem verdade que alguns companheiros de dança, vez ou outra, viravam “ficantes”, que naquele tempo não tinham essa denominação e, tampouco, eu era vista com bons olhos pelas tias de plantão. Acho que eu era moderninha demais para a época.
Nesta mesma época fui apresentada aos encantos da Praça da Faculdade, no Prado. Conhecida pelos festejos juninos e natalinos, a Praça da Faculdade foi destino certo e desejado por crianças, jovens e famílias inteiras que passavam horas intermináveis brincando nos parques de diversões na época natalina ou assistindo as disputas das quadrilhas juninas em palcos armados no meio da praça. Apresentei-me ali, algumas vezes. Hoje, a praça virou mercado itinerante dos ditos sem-terra. O brilho e a magia das festas natalinas perderam o encanto.
Ainda no farol, frequentava também a Praça do Centenário, aonde ia com amigos lanchar um passaporte ou nas idas e vindas até a Igreja de Santa Rita, aonde íamos mais para paquerar na porta do que para rezar, aos sábados à noite.
Recordo-me ainda da Praça Deodoro, que hoje serve de moradia para várias famílias que ali buscaram refúgio. Moradores de rua que criam seus filhos aos pés do cavalo de Marechal Deodoro da Fonseca. Alguns chegaram até a nascer ali mesmo, no meio da praça, ao relento e a mercê da sorte. Sorte? Que sorte? Não se pode falar em sorte numa situação como essa. Falam por aí que algumas deveriam pleitear direito ao instituto do usucapião, tamanho o tempo que habitam naquele lugar. Brincadeiras a parte, o Marechal não deve está orgulhoso de estar ali diante de tanto caos e abandono. Ainda lembro-me de uma Praça Deodoro viva, de uma praça de encontros, onde estudantes do antigo Colégio Lyceu Alagoano, do qual fiz parte, ao regressarem de suas atividades físicas no Ginásio do também antigo Café Afa, seguiam para a lanchonete Gut Gut, point dos jovens daquela época. Lá tomávamos um Milk Shake com batatas fritas ou um suculento sanduíche. Eram outros tempos...
Fechando minhas nostálgicas lembranças tenho que citar a Praça Sinimbú, no Centro. Hoje palco de reivindicações tanto justas quanto inglórias, a Praça Sinimbú virou favela volante, um mictório a céu aberto, um cartão postal vergonhoso para todos os maceioenses. Prefiro lembrar uma Sinimbú dos estudantes, da Reitoria e dos forrós que dancei por lá. De uma praça de lutas estudantis, de reinvidicações dos trabalhadores e de famílias levando seus filhos para verem o inocente mijãozinho de gesso que tanto sorrisos arrancava.
Vou guardar para sempre na memória as praças da minha história e pedir a Deus que um dia alguém se lembre de resgatar verdadeiramente o valor cultural que a história dessas praças tem para a história de nossa Maceió.
Cláudia Maia
Maio/2010

6 comentários:

  1. LINDO, CLAUDINHA.
    Não sou Maceioense mas senti-me reportado ao meu passado junto as praças da minha cidade, que tanto bem nos fazia. Nas raras vezes que as reencontro, sinto a mesma nostalgia dessa época de moleques que passamos e que decerto os atuais não passam, quer seja pela mudança dos atuais moleques quanto aos conceitos que agora vigora, quer seja pelo descaso das autoridades ou até mesmo da população que não cuidam e/ou depredam.
    Parabéns pela excelente matéria.
    Beijo Grande.

    Erisvaldo

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  2. Obrigada Erisvaldo!Pois é, os tempos mudaram!
    Ando meio saudosista ultimamente...rsrsrsrs
    Mas, isso é bom, né: É um excelente sinal de que o alemão ainda não me pegou...rsrsrsrsr

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  3. Maravilha tudo por aqui, parabens. Foi por causa dessa cidade que escrevi o poema "Maceió, uma elegia para os que ousam sonhar" e o frevo "Amor Imortal".
    Beijabrações
    www.luizalbertomachado.com.br

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  4. Você fal do barcaninha, não conheço alagoas, mas tinha uma amiga no Colegial que havia chegado de maceio e vivia comentando sobre o bar.
    Gostaria de saber se ainda existe.

    Rita

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  5. Muito bom o seu artigo, na minha cabeça passou um filme recordando tudo isso que você viveu na sua infância... Lembro que na praça do Centenário quando existia a fonte, tínhamos até peixinhos nadando,o mapa de Alagoas que ali se encontra, tinha cores diferenciando as cidades do nosso interior. Tudo no azulejo português, lindo por sinal. Sem contar com as demais praças, lindas e bem cuidadas, mantendo sempre as características originais do passado. Agora se muda tudo, e não se mantem nada...
    Obrigado por nos fazer recordar desses momentos lindos de outrora.
    Feliz 2013.
    Ass.: MAYKOL SANTOS GALDINO

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  6. Obrigada!! Ainda bem que nos restam as lembranças. Ainda bem que nós, ao menos, pudemos viver aquele tempo e hoje podemos recordar com nostalgia.

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