Toda saudade
vem sempre carregada de lembranças.
Algumas
lembranças que trago comigo me dão uma saudade danada de minha mãe. São aromas,
perfumes, cores, sabores e coisas que basta ver, sentir ou comer para lembrar
de Dona Antônia (Toinha, para os íntimos).
Minha mãe
cozinhava muito e gostava do que fazia. Com certeza herdei dela o gosto pela
cozinha. Até hoje algumas delícias preparadas por ela são inesquecíveis para
mim e meus irmãos. Panqueca, strogonoff de camarão, rabanada, chuchu e cenoura à milanesa e bife rolè, entre outros com certeza tem
o sabor de mãe. Isso sem falar em bolinho
de feijão com farinha que ela comia amassando com as mãos. Ela adorava
comer isso na hora do jantar. Nunca gostou muito de pão. Adorava tomar café preto, talvez porque fumasse
muito.
E vem daí
outra lembrança não muito boa, cigarros
Continental, a marca do cigarro que ela fumou escondida de papai durante
muitos anos. Para acompanhar o cigarro, além do cafezinho, confeitos de hortelã, que ela guardava escondidos no mesmo local em
que escondia os cigarros para usar quando se aproximava a hora de meu pai
chegar em casa. Era o pecado/segredo mais inocente que eu já vi na minha vida.
Toinha era bem
humorada e, mesmo se estava aborrecida com alguma coisa ou alguém, sempre tinha
um sorriso para quem chegasse lá em casa. Costumava dizer que os outros não
tinham nada a ver com os problemas dela.
Gostava muito de música e dança. Até dançou pastoril na juventude. De
vez em quando a família se juntava para dançar forró pé de serra, daqueles de duplo sentido, na casa de meu Tio
Enéas, no bairro do Pinheiro. Lembro que ela adorava dançar e se fecho os olhos
ainda consigo lembrar ela se sacudindo no meio do salão com papai e meus tios. Até
se arriscava numa dose de Rum Montilla.
Eram momentos felizes. Lembro que certa vez papai nos levou para ver o desfile
das escolas de samba na Praia da Avenida e mamãe ficou em casa por algum
motivo. Acho que algum de meus irmãos
era novinho ou estava doente.Quando voltamos, ela dormia embalada por doses de
uma garrafa de Montilla que tinha em casa. Era perfeitamente compreensível, se
lembrarmos que ela era meio alagoana e meio pernambucana, adorava frevo e folia. Deve ter sido uma
tortura ficar ali “na vontade”.
Dona de casa
passava o dia entre o fogão e a lavanderia, sempre com a roupa na altura da barriga
um pouco úmida de lavar roupas à mão. Mas fazia isso sempre cantarolando alguma
música brega sucesso naquele tempo. Seus ídolos eram Bartô Galeno, Amado Batista, Fernando Mendes e Odair José. “Parece
que estou escutando ela cantarolando: “aquela menina em sua cadeira de
rodas”...”; “no hospital, na sala de cirurgia, pela vidraça eu via você
sofrendo a sorrir”.”; no toca-fitas do
meu carro, uma canção me faz lembrar você...”; e “pare de tomar a pílula, pare de tomar a pílula, pare de tomar a pílula
porque ela não deixa o nosso filho nascer.” Da cozinha para o quintal e
dali para o corredor onde estendia as roupas e fumava o seu cigarro. Ali também
ficavam algumas plantas que papai revendia e que me fazem lembrar dela por ali
entre elas. Eram papoulas de várias
cores e avencas em caqueiras e
xaxins. Vez ou outra ela ia até a porta atender algum estudante ou vizinho
querendo comprar flau (ou sacolé)
que ela fazia e vendia. Passava horas enchendo aqueles saquinhos de vários
sabores: coco, maçã, goiaba, coco e maçã. Eu ficava de língua rosada e lábios
dormentes de tanto que chupava flau.
Existem
outras coisas que me trazem recordações.
Lembro que ela gostava de comprar no catálogo da Avon. Não apenas
gostava como também eram produtos que naquele tempo a gente podia pagar por
eles. É bem verdade que hoje a Avon cresceu e os preços não estão mais tão
acessíveis. Perfumes ela sempre comprava Cristal
Classique e Contourè. Ainda na
linha de cuidados com a beleza, recordo que ela só gostava de pintar as unhas com
um esmalte “ferrugem”. Era difícil vê-la com outra
cor de esmalte nas mãos. Mas a vaidade de mamãe, muitas vezes, foi tolhida pelo
machismo de papai. Ele não gostava que ela usasse cabelos curtos, maquiagem e
nem calças compridas. Lembro que já adolescente eu me atrevia a maquiar mamãe
para ir às reuniões de pais na Escola Técnica Federal de Alagoas onde meus
irmãos estudavam. Ela sempre dizia: _
Nininha, o seu pai vai reclamar. Vai dizer que isso é coisa de rapariga. Eram
tempos difíceis.
Olhando assim
parecem poucas recordações, o que se justifica porque mamãe morreu cedo, antes
de completar 40 anos, mas mesmo tão breve, deixou marcas que jamais se apagarão
com o tempo.
Saudades do
colo de minha mãe.